Carlos Farinha Rodrigues
Professor do ISEG
Autor do Estudo Desigualdade do Rendimento
e da Pobreza em Portugal
Várias vezes a pergunta foi feita e várias vezes ficou sem resposta. Quem é que perdeu mais nos últimos anos com a crise? Os mais ricos ou os mais pobres? Foi a classe média que saiu mais penalizada deste período? Nunca faltaram argumentos para defender as diferentes perspetivas. O que faltava eram os números..
Analisados à lupa, os números que retratam a evolução dos rendimentos dos portugueses entre 2009 e 2014, os anos de pico da crise, dão uma resposta à pergunta. E se por um lado é verdade que todos perderam, por outro também é certo que nem todos perderam com a mesma intensidade. Em geral, entre 2009 e 2014, os rendimentos dos portugueses tiveram uma quebra de 12%, ou seja, menos 116 euros por mês. Mas, em termos relativos, a quebra foi maior nos rendimentos dos mais pobres e menor nos rendimentos dos mais ricos.
Como se chega a essa conclusão? Há que dividir a população em dez grupos, dos mais pobres aos mais ricos. No primeiro grupo estão os que têm menores rendimentos (os 10% mais pobres) que em 2014 viviam mensalmente com cerca de 200 euros. E no décimo grupo estão os que têm os rendimentos mais altos (os 10% mais ricos), com cerca de 2500 euros mensais.
Quando se olha para a forma como evoluíram os seus rendimentos entre 2009 e 2014, conclui-se que os 10% mais pobres perderam 25% do seu rendimento enquanto os 10% mais ricos perderam 13%.
Em termos líquidos, isso significa que o grupo dos 10% mais pobres (o chamado 1º decil) perdeu, em média, 69 euros por mês (que representa a quebra de 25%), enquanto os 10% mais ricos (o 10º decil) perderam 340 euros por mês (menos 13% do que recebiam em 2009).
E por que razão houve essa maior perda em termos relativos entre os mais pobres? “Por um lado, a crise económica em si mesma. E, muito em particular, a exclusão de largos milhares de trabalhadores por conta de outrem do mercado de trabalho teve efeitos devastadores", explica o estudo "Desigualdades do Rendimento e Pobreza em Portugal: As Consequências Sociais do Programa de Ajustamento", acrescentando que o facto de os mais pobres não terem sido diretamente afetados pelos cortes nos salários e nas pensões “não chegou para compensar esses efeitos". E acrescenta: "Por outro lado, as alterações introduzidas nas transferências sociais, em particular no Rendimento Social de Inserção, no Complemento Solidário para Idosos e no Abono de Família, foram determinantes no aumento da pobreza e, simultaneamente, no agravamento das condições de vida das famílias mais pobres".
A análise da evolução dos rendimentos deste estudo considera, assim, que "é um mito" a afirmação de que as classes médias foram fortemente penalizadas no decurso do processo de ajustamento e que as políticas de austeridade preservaram os rendimentos dos mais pobres. "Nem as classes médias foram as que mais sofreram com as políticas seguidas, nem os mais pobres foram poupados no processo de empobrecimento", conclui o estudo.